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Círculo social e identidade no culto aos Orixás


A vida urbana nas grandes metrópoles tem, cada vez mais, conduzido à uma generalizada crise de identidade.
As pessoas crescem em um contexto de múltiplas influências culturais, entre grupo e tribos que se expressam cada um a seu modo. Roupas, cabelo, música, espaços públicos formam um mosaico quase infinito de possibilidades. Um dos grandes desafios da juventude é o enquadramento à algum dos muitos estilos que os rodeiam.

A caracterização dos estilos das chamadas tribos urbanas se dá pelo viés cultural e artístico, na maioria dos casos. Porém há outras dimensões que também servem como formadoras e unificadoras de identidades como a religião.

O Candomblé é, sem dúvida, uma tradição que vai muito além de mais uma religião com seus códigos morais e éticos. Ele é permeado por uma extensa rede de significados e símbolos que a ancestralidade, a expressão da fé, a maneira de ver e interpretar o mundo, a relação com o mundo espiritual e com a natureza.

No Candomblé há diversos fatores que promovem a formação de uma identidade comum em torno de suas práticas. Um dos grandes fatores de formação de identidade é a ruptura com tabus culturais e sociais. A afirmação étnica, ou seja, o reconhecimento e expressão da negritude. Além disso. A expressão de uma negritude que está além da cor da pele. Que supera os limites da aparência física. No candomblé negros e brancos comungam da mesma linguagem, dos mesmos símbolos, dos mesmos rituais e da mesma esteira. É obvio que há exceções e incompreensões. Contudo nenhum tipo de intolerância é comum ao culto aos Orixás. Isso também cabe à questão de gênero e sexualidade. Normalmente a homossexualidade não é um tabu para os candomblecistas. Homens não são superiores às mulheres. Nem o contrário. Do mesmo modo em que há restrições para mulheres há para homens. Não existe nenhum tipo de restrição ou condenação à relacionamentos afetivos entre pessoas do mesmo sexo. Nem mesmo à maneira como as pessoas se comportam, se vestem e se expressam de acordo com seu gênero.  

O Candomblé é também a religião da convivência e da diversidade. Crianças e idosos, heteros e homos, brancos e negros, homens e mulheres, analfabetos e doutores, pobres e ricos. Todos são acolhidos no seio das casas de Candomblé. E fator máximo e unificador de tal diversidade se resume em uma coisa: a fé nos Orixás. Por isso é essencial perceber a impressionante singularidade desse tipo de formação de identidade. A fé nos Orixás, enquanto ancestrais comuns, une a diversidade. Determina a formação de círculos sociais únicos. Incomuns a qualquer outra religião.

Essa característica faz do Candomblé algo que vai além de uma mera religião, como já dito. As casas de Orixá são círculos sociais e culturais que dialogam, compartilham e se integram à blocos de afoxé, escolas de samba, centros culturais, ONGs, escolas de capoeira, grupo de dança, maracatus, congados e muitas outras manifestações. No entanto nunca devemos resumir ou equiparar o Candomblé em si a tais círculos sócio\culturais. Por que esse culto abranje e se relaciona com tais círculos, ele é, antes de tudo, uma religião. E enquanto religião é a fonte de doutrinação espiritual, de códigos morais e éticos que servem para reger seu comportamento, suas relações humanas, sua conduta pessoal. Enquanto religião, o Candomblé deve ser a fonte de evolução e crescimento da alma. Essa questão nos coloca diante de um grave problema no que diz respeito ao comprometimento e dedicação à prática religiosa. Há muitas pessoas que frequentam o Candomblé como um circulo social apenas, e não como religião. E os círculos sociais satisfazem anseios imediatos e superficiais tais como amizades, diversão, relacionamentos afetivos e sexuais. E como superficiais que são tais questões, se desgastam com o tempo. Portanto o compromisso com a casa a que a pessoa pertence ou com a própria religião como um todo também se desgastam quando a encaro como um círculo social. E as pessoas que assim conduzem sua vida espiritual são fadadas a viveram trocando de casa ou abandonam a religião. Isso quando não se convertem a outras religiões, principalmente evangélicas, e se dedicam a denegrir a imagem do Candomblé e seus adeptos. Buscando uma religião ou um local que preencha seu vazio, que na realidade não poderá ser preenchido por religião nenhuma, pois esse tipo de vazio não é religioso mas sim de personalidade. E tal vazio, o vazio de personalidade só pode ser preenchido pela humildade de estar sempre disposto a crescer em si mesmo. A reconhecer sua própria insignificância e ignorância perante a Natureza e aos sábios sacerdotes espirituais que dedicam suas vidas a tentar amenizar o sofrimento dos outros.

Não se enche copos que já estão cheios. Ou seja, pessoas que não se abrem à mudanças, que não buscam o autoconhecimento e auto-reflexão, não reconhecem os próprios vícios, defeitos e erros nunca se sentirão satisfeitas com religião alguma. E as pessoas que passam a freqüentar as casas de Candomblé e acabam se iniciando meramente pela questão de participar de um determinado círculo social pois se identifica geralmente chegam com seus copos cheios. E logo se cansam e saem denegrindo a imagem da religião em igrejas evangélicas e em outros círculos sociais. 

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